EESTAVA ELE à espera há uns bons minutos. Pessoas indo e vindo. Do banco de plástico duro, o rapaz mirava a pressa que se traduzia nos esbarrões esporádicos entre pedestres no terminal de ônibus de Campo Grande, bairro da zona Oeste do Rio de Janeiro.
“Motorista, motorista” – grita uma senhora para que ele espere um pouco, apontando para a mulher que vem acelerando o passo como pode, visto que segura na mão direita a grande sacola e na esquerda a mãozinha da filha de uns oito anos, a qual se esforça para acompanhar o ritmo materno.
Quando a mãe finalmente entra no ônibus, agradece ao motorista que, talvez pelo cumprimento sincero, desfaz a cara feia, por estar atrasado.
O terminal de ônibus conta com pequenas lanchonetes. De onde estava sentado, o rapaz podia ouvir os fregueses pedirem suco de laranja, limão, manga ou uva. Na verdade, a maioria dos sucos se tratava de refrescos feitos com pó diluído na água. Os sucos de frutas naturais eram mais caros, portanto, menos solicitados.
Ele mesmo quando ia para Cascadura, Méier ou centro da cidade costumava caçar as promoções de ‘compre um salgado e ganhe um refresco’. Mas quando circulava no bairro, evitava gastar. Exceção feita na hora do intervalo na escola que estudava à noite. Sendo o dinheiro curto, nada de gastar à toa. Como estratégia para fazer frente à tentação das estufas, antes de sair de casa, fazia um reforço na geladeira ou despensa, só para não correr o risco de o estômago roncar na hora errada.
O adolescente aproveita para passar o tempo ouvindo conversas paralelas. Numa das caixas de som, uma música da banda preferida. Nesse ano de 1986, houve ótimos acontecimentos em sua vida. Uma delas foi encontrar a primeira namorada há seis meses.
Ela, um ano mais velha. Empregada num escritório, todo dia tomava o fretado rumo a Avenida Rio Branco no centro da cidade, por volta das seis horas da manhã. E retornava lá pelas dezenove horas, no mais tardar às 20h.
Para muitos, uma vida sofrida. Contudo, em relação aos milhares de cariocas cujo transporte para o centro da cidade limita-se aos desconfortáveis trens lotados, ela estaria na qualidade de pessoa privilegiada, seguindo para seu trabalho em sua poltrona aconchegante.
Apesar de somente um ano de diferença, a menina manejava a relação como líder, pessoa que tem o controle da situação, experiente.
Para ela, ele era interessante, por ser simples, sorriso verdadeiro, corpo atraente, fala empolgante. Ela gostava de estar ao seu lado.
Quando se conheceram? No clube, domingo à noite. Ele empolgado no rock nacional, ela querendo relaxar. Coincidindo em gostos, trocaram ideias. E ficaram juntos. A partir de então, marcaram de se encontrar no terminal rodoviário de Campo Grande. Ainda não era um namoro oficial. Era para se conhecerem e trocarem afagos.
Embora independente, ela se sentia balançada na relação fortuita. A experiência de outros namorados e agora na tarefa de iniciar com um rapaz que pela primeira vez se envolvia com uma garota, a fez gostar da posição de condutora.
O estudante, vivendo à custa dos pais, nem por isso mais feliz, via na menina um apoio para adentrar na fase adulta e provar que é capaz de libertar-se da dependência financeira e de mil outras inconstâncias que perpassam por sua cabeça.
Ela era mais que um corpo acolhedor, lábios sedosos. Tinha a paciência de escutá-lo, indicando caminhos para solucionar ou contornar conflitos que o perturbavam.
Mas a relação acabou. Ela disse que tinha arranjado um namorado, coisa assim. Ele não se lembrava muito bem. O fato é que pediu para que não a esperasse mais no terminal. Que dureza! Agarrado que estava àquela menina e à segurança de poder ter uma pessoa para chamar de sua.
Como era garoto, sofrera, desesperara-se, porém, superaria o baque. Numa noite, uma colega da rua o achou legal e trocam ideias e carinhos.
“Que bom ter alguém... A melhor cura para o amor que termina é a disposição para o outro amor que inicia,” repete a frase que ouvira e gostou, enquanto pega na carteira a foto 3x4 da nova namorada.