No começo do século XXI, casamentos terminam, sem que os cônjuges saibam como e por quê. A menor contrariedade, chuta-se o intruso.
A mulher exige as vantagens que eram exclusivas dos homens nos tempos das bisavós.
“É direito nosso. Chegamos à presidência da empresa, da fábrica, do Brasil”, diria a new yuppie, espécie de mulher alfa na tradução para o Português.
O homem também mudou. Para sobreviver, parafraseando Charles Darwin, parte dos machos incentiva as fêmeas trocarem pneus, subir no telhado para limpar as calhas e ser a única provedora de cerca de 40% dos lares brasileiros.
Se a couraça do casório afrouxou, estaria o ser humano mais feliz que os antepassados?
Marlene estava guiando o carro do ano pela estrada. Ia de Campinas para Sorocaba. Visitaria os pais. Essa jovem de 32 anos, formada em Administração de Empresa, está na lista das que se consideram bem sucedida. Na função de gerente de um forte banco de varejo, recebe mais de10 salários mínimos, estando classificada na classe média alta, segundo o IBGE.
Com a nova renda, comprou apartamento em bairro de novo-rico da cidade da UNICAMP e trocou o carro seminovo 1.0 pelo 1.8 do ano. Conta com condições de, em feriado prolongado – caso o banco conceda – chegar ao apartamento, meter peças de roupas nas malas, tomar um taxi para o aeroporto Vira Copos, apontar para um itinerário, comprar a passagem e curtir dois ou três dias sem preocupação com contas a pagar nem limite do cartão. Lembrando que o estilo de adepta da poupança, de promoção e da fuga de supérfluos, impede que seja inadimplente ou gaste com juros abusivos.
Colocou o CD do Guilherme Arantes, pois estava nostálgica. Riu ao ouvir o refrão adeus também foi feito para se dizer.
_ Sem horário, sem compromisso... só vejo vantagem em ficar solteiro.
A frase era de uma velha conhecida sua. O conteúdo era defendido por homens de todas as idades, preferencialmente pelos quarentões ou cinquentões divorciados.
A pequena agência em que começou, numa cidadela vizinha de Sorocaba, foi onde tomou contato pela primeira vez com essas frases que zombam do casamento. Tinha 22 anos, e estava casada há um. Natural que sentisse repulsa pela frase e por quem a pronunciasse.
“São pessoas tristes, que perderam a oportunidade de criar vínculo e tem inveja de quem consegue”, a defesa da mãe ouvida num desses almoços de família, onde ambas ficaram à mesa jogando papo para o ar enquanto os homens se envolviam em atividade diversa. “Nos tempos que correm, quando se fracassa em alguma coisa, é natural se fazer de vítima em vez de investigar no que se errou para tentar remediar...”, era a opinião da mãe diante das farpas que os solteirões desferiam contra o casamento.
O marido era engenheiro, e desde o começo desgostara de a mulher ter sido admitida no banco. Primeiro, pela insegurança que os ciumentos têm.
Aos vinte e seis anos, Marlene vivia brigas e desentendimentos, que acabaram pondo o casamento para escanteio.
Se não fosse o trabalho preencher o vácuo em sua vida de divorciada, ficaria irada ao notar a indiferença do ex-marido. “Sequer veio atrás de mim, sequer fez as cenas que qualquer apaixonado faria para provar o amor e pedir para voltar”.
No início, cada fim de expediente no banco, antevia o vazio, o silêncio, a escuridão da casa que residia sozinha.
Após receber a primeira promoção, como gerente Junior, veio a necessidade de viajar. Percebeu os benefícios da solteirice. Se fosse casada, que insegurança que a distância, ainda que a trabalho, geraria no casal.
O esperado aumento das despesas e custo de vida depois da separação acabou não acontecendo; ao contrário, diminuiu, graças à maior disponibilidade para o trabalho.
“Nos tempos que seguem, o casamento que devemos manter a sete chaves é com nosso trabalho”, murmurou ela, quando a música adeus também foi feito pra se dizer terminou.