O jovem de doze anos bateu na quina da mesa, “droga”, irritou-se. Logo agora que devia ter o maior cuidado, foi bater o joelho. O pior é que dali a, no máximo, 1 hora a mãe acordaria.
Sufoco enfiar tudo na mochila que mal dava para o material escolar. Pelo menos duas mudas de roupas ele tinha que levar.
Na ponta dos pés, passou pela cama da mãe. Queria desistir da fuga. Deixar aquela bobeira de lado. Tinha medo. Mas que fazer? Ficar ouvindo a mãe a reclamar do seu mau comportamento, que queria um filho assim ou assado. Por vezes dizia mesmo que queria não ter tido filho. Poderia estar solta no mundo, vivendo, sendo feliz, sem fardo para carregar.
Sem contar as ameaças do colégio interno. “Se você não tomar jeito, vou te pôr no colégio interno e nunca apareço. Você só vai sair de lá com dezoito anos. Esse é o destino da criança que não respeita pai nem mãe”, palavras vociferadas pela mãe quando uma ou outra travessura de menino a tirava do sério. A situação de pobreza também contribuía para abalar os nervos maternos. A necessidade de sustentar, sozinha, três bocas, geradas de relacionamentos passados, favorecia a ira desmedida.
A pouca ajuda que achava para continuar criando três homens extenuava tanto esta mulher que, em muitos momentos, queria sumir e abandonar as crias. Porém, por mais que falasse, nunca os abandonaria. Era a razão de sua vida. E por mais descabeçada que fosse e continuasse a ser, tinha como missão zelar pelos filhos, a seu modo.
Pena que as iradas frases há anos perturbavam a criança. Por ser o mais velho, era alvo das cobranças mais severas da mãe. “Você, o mais velho, bem podia me ajudar a cuidar de seu irmão”. E esse filho, que para muitos pais mais parecia com uma menina – pois naquela década era pouco normal ver garoto varrer a casa, lavar a louça, ajudando a mãe nos afazeres domésticos – por mais que fizesse nunca estaria à altura de satisfazer a exigente mãe no zelo da casa.
Na entrada da adolescência, dizem os estudiosos, é que se operam mudanças por vezes radicais. O menino, encolhido no seu canto, vendo a mãe a xingar, a reclamar da vida, das compras, das contas, do destino injusto. A alma tímida, educada pela avó, rebelou-se. Queria, instintivamente, o fim da humilhação.
Alma frágil precisa de um porto seguro; do contrário, se suicida ou se mantém acorrentada à prisão anterior. O pivete visualizou na professora de reforço escolar – que a mãe pagava para livrar o filho do fantasma da repetência na escola – uma pessoa caridosa, destituída de interesses. Ingênua criança. Apegou-se à senhora. Também pudera, se um homem barbado, cético de tudo, calejado pelas amarguras e desilusões, diante dessa senhora acharia motivo para dizer que a humanidade ainda não está de todo podre, imagina que boa impressão não causaria nessa criança.
Era a mãe que ele queria ter.
Fácil adivinhar que paradeiro o fugitivo teria. Na verdade, o rapazinho até pensou fugir do bairro, ir para outro lugar a esmo, bem distante. Pegaria o ônibus, desceria em algum ponto final, e sabe-se lá. Uma força, porém, fez o rapazinho ir ao encontro da senhora. À porta da casa da professora, chegou mesmo a surpreendê-la com a cara de quem acaba de se levantar.
Ele pediu para morar com ela. “Faça o seguinte. Vá para escola. Depois a gente resolve isso”, a senhora procurou acalmar o irrequieto garoto, persuadindo-o a ir para a escola regular. Ele obedeceu.
Na hora do recreio, a diretora pede que trouxessem o garoto para sua presença.
Lá estava a mulher debulhada em lágrimas, soluçando, desespero na cara. Era sua mãe. Abraçaram-se. Ele chorou também. Mas as lágrimas dele traziam uma alegria, misturada a dor e a vergonha. Soube que era amado por sua mãe.
Felizmente o caso não engrossara o caldo da estatística dos desaparecidos daquele ano.